sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A RAIVA DE SER RUBRO-NEGRO - por Walter Monteiro

Caríssimos irmãos de fé rubro-negra,
Salve, Salve, FLAleluia!

Até o momento, só havia publicado aqui textos de minha autoria ou de campanhas da qual fiz/faço parte. Entretanto, costumo dizer que a Igreja Flamengo não é minha, mas de todos os rubro-negros. Ela é formada pela fé conjunta de todos nós. Cada um a seu modo, somos todos pregadores da Palavra da Salvação Rubro-Negra. Assim, em um texto que promete ser polêmico, falando sobre o modo raivoso com que alguns demonstram sua fé nos templos, abro o blog para a publicação de artigos de terceiros. Fiquem, então, com a homilía de Walter Monteiro.


A RAIVA DE SER RUBRO-NEGRO

O Lanus, gentilmente, reservou um espaço imenso para a torcida flamenguista – me arrisco a dizer que um espaço maior do que temos no Pacaembu ou Mineirão. Teria sido melhor que a gente tivesse ficado confinado a um espaço menor, porque acabou dispersando a torcida naquela imensidão de arquibancada.

Pouco depois o time do Flamengo entrou em campo para fazer um aquecimento. Vários aplausos vindos da torcida do Lanus nas cadeiras bem ao nosso lado para o Ronaldinho. Que foi até lá perto deles agradecer.
  
Ou melhor, o astro dentuço teve mais aplausos ali do que no nosso setor. Bem atrás de mim, um grupo de jovens senhores cariocas, na faixa dos seus 30 e poucos anos, mas fantasiados de adolescentes exibindo suas cuecas de grife por debaixo das calças de cintura baixa, começaram ali mesmo uma perseguição implacável.

Ainda no aquecimento, R10 notou que o goleiro Felipe só tinha o reserva Paulo Vitor e um membro da comissão técnica a lançar bolas para a área e resolveu colaborar, se desgarrou da turma que fazia alongamentos no meio de campo e foi bater umas faltas sem barreira. Cobrava duas ou três, dava um passo para trás, cobrava mais uma série, recuava um pouco mais, ficou assim uns 5 minutos. Felipe pegava algumas, outras iam para fora, umas poucas entravam. Não eram chutes fortes nem colocados, eram exercícios de aquecimento, de movimentação.
  
Menos para a turma barulhenta. O campo é pequeno, o estádio ainda estava silencioso, se a pessoa grita com força, o jogador é capaz de ouvir. E os caras sabiam disso. Cada vez que R10 posicionava a bola, os neo-coroas se esgoelavam: “acerta uma, seu merda, seu FDP, seu sanguessuga do cara...”. Bom, isso era só o aquecimento. Do Ronaldinho e deles mesmo.
  
Logo depois o microfone do estádio anunciou a escalação. Os argentinos devem ter pensado que havia sido anunciada a versão brasileira do corralito, pois as reações se dividiam entre a depressão profunda e o ódio. Vaias, xingamentos ou apenas muxoxos, o time nem entrara em campo e a torcida já estava abatida.
  
O jogo começa e, bom, aí imagino que todos já saibam o próximo capítulo. Uns 35 minutos de bombardeio. O Flamengo, acuado, se limitava a dar chutões para a frente, invariavelmente interceptados pelo Lanus, que reiniciava os ataques. Um martírio.
  
Na arquibancada, o que já estava ruim piorava. A maioria ficava quieta, atônita, petrificada. Uns poucos tentavam emendar algum coro, mas não dava em nada. Só quem se sobressaía era a galera do ódio, xingando, à exceção de Felipe, todo o resto dos jogadores, mas especialmente R10.
   
Como nenhum time consegue manter a intensidade o tempo inteiro – e talvez fosse nisso que Joel apostasse – aos poucos o Lanus foi cansando, foi perdendo o ímpeto e dando um refresco. Eu, que moro no Rio Grande do Sul e às vezes sou obrigado a ver os sonolentos confrontos do Gauchão, já conheço a novela. Os Ypirangas da vida, quando mandantes, partem para cima que nem loucos da dupla Gre-Nal , ávidos por abrirem o placar. E os boleiros da capital, em uma preguiça constrangedora, ficam ali, se passando por mortos. Até que em um lance casual abrem o placar e mandam para o espaço as esperanças dos minúsculos times do interior.
  
Eu tinha esperança de que algo parecido acontecesse em Lanus e foi mais ou menos isso que se sucedeu, o Flamengo achou o seu golzinho, confirmando o lugar-comum de quem não faz, leva.
  
O Lanus voltou meio baqueado para o segundo tempo, parecia não acreditar que tanto massacre não dera em nada. Estranhamente, o Flamengo, tão criticado por sua pobreza defensiva, dava pinta de que iria segurar o placar. Um lance acidental mudou tudo – Airton se contundiu, Botinelli entrou e nesse exato instante os argentinos conseguiram o empate.
  
É duro ter que dar o braço a torcer, mas o sistema defensivo tinha, pela primeira vez, um homem a menos – e foi a primeira vez, no 2º tempo, que o Lanus encontrou alguém livre para chutar (eu disse no 2º tempo, porque no 1º eu até perdi a conta de quantas vezes isso aconteceu).
   
Bom, foi o que bastava para o caldeirão do ódio transbordar. Mesmo com o Flamengo ganhando e conseguindo segurar o resultado, os inconformados não davam trégua, insistiam nas suas provocações. O empate, contudo, lhes permitiu angariar novos adeptos para a sua causa. Quem os ouvisse gritar teria certeza que o Flamengo estava sendo eliminado da competição sob uma goleada acachapante.
  
E assim fomos até o final na arquibancada. Uma catarse de ódio e raiva infinita.
  
Fazia um tempo que eu não assistia a uma partida no estádio como um mero torcedor/espectador. Eu estou sempre no meio do bolo da torcida, gritando, incentivando, cuidando da festa, fazendo o que eu acredito ser a minha missão como torcedor. Tanto que eu quase nem vejo o jogo. Dessa vez escolhi ficar afastado do núcleo das organizadas e até assistir sentado, coisa que eu nem me lembrava mais como era.
  
E fiquei bem triste. Na minha ingenuidade, eu achava que essa cornetagem sem fim era coisa da molecada no Twitter, gente que começou a ver futebol anteontem e quase nunca vai ao estádio. Mas não é não. Se marmanjos estão dispostos a viajar até para o exterior só para protestar e vaiar, então estamos muito mal parados mesmo.
  
Porque quando chegar a vez de jogar no Engenhão, não adianta começar a se descabelar desde que a bola começar a rolar. Esse time do Flamengo é, para ser elegante, muito mais ou menos, com viés de baixa, só vai a algum lugar se a torcida pegá-lo no colo e carregá-lo. Mas parece que tem muito pouca gente com essa compreensão. Sinto dizer, mas é com Canelada, Wellinton, R10 e Deivid que a gente vai ter que se virar (o Love que se cuide se não marcar uma série de gols logo de cara). Então é melhor se conformar e incentivar esses daí mesmo. A menos que alguém se iluda que esses moleques ainda imberbes que de vez em quando dão as caras no time de cima sejam a redenção que todos precisamos.
  
Eu, que passei 2011 inteirinho ouvindo a Nação falar cobras e lagartos do Luxemburgo, estava certo que a sua saída traria, ao menos, a paz e a união entre todos os torcedores. Errei. Bastou 1 jogo e uma única opção tática (Airton no lugar de Botinelli) para acender a fogueira novamente.
  
Ah, como era bom quando a gente mostrava ao mundo inteiro a alegria de ser rubro-negro.
  
Agora só mostramos a raiva!





Walter Monteiro é Embaixador Oficial do Flamengo no Rio Grande do Sul, o que o obriga a ser organizador da festa quando o Flamengo joga no sul, sócio-proprietário do clube (mesmo morando em Porto Alegre) e escreve a coluna Bissexta no Blog Ouro de Tolo.




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FLAmém!

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