Caríssimos irmãos de fé rubro-negra,
Salve, Salve, FLAleluia!
Dando continuidade aos artigos sobre gestão do Flamengo para debate e reflexão sobre que caminhos o clube poderá seguir, transcrevo abaixo um artigo de outro FLAmigo, o publicitário Affonso Romero Dantas. Acredito que daí poderá surgir o Flamengo com que todos sonhamos!
O Flamengo que não pode ser – e aquele que tudo poderá
Qualquer dos grandes clubes brasileiros deveria liderar uma revolução na gestão do nosso esporte. O Flamengo, como time de maior torcida, e maior marca esportiva do País, deveria ter esta transformação como missão obrigatória. Senão por motivo mais nobre, que seja para salvar a si mesmo.
Discute-se bastante a estrutura societária, a democratização do acesso ao voto nos clubes de massa, a transformação em clubes-empresas, a separação entre futebol e clubes sociais, a negociação das dívidas e várias questões que, a meu ver, deveriam ser subsidiárias a um tema mais importante: o modelo de gestão.
Pode-se encontrar, dentre os clubes de sucesso neste hoje mercado global do esporte, variados modelos societários: Milan, Chelsea e Manchester United têm um único controlador, o Barcelona tem dezenas de milhares de eleitores. Qual o modelo mais eficiente? Parece uma pergunta menor, uma vez que se chega ao sucesso por um ou outro caminho. Entretanto, nenhum destes grandes clubes tem uma forma amadora de gestão.
Alguns defensores do amadorismo vão lembrar, com boa parcela de razão, que os clubes brasileiros construíram uma bela história já centenária contando com a gestão abnegada de alguns seus sócios, eleitos para tal. A bem da verdade, durante décadas os grandes clubes europeus também trilharam esta estrada.
O que houve desde então foi uma mudança de paradigma. De duas a três décadas para cá, o esporte – notadamente o futebol – passou a contar com o aporte de recursos de outras vertentes da indústria do entretenimento, entre as quais os conglomerados de comunicação, as empresas fornecedoras de material esportivo e os grandes anunciantes, em meio a processo de crescente globalização.
Ora, o tipo de negócio em que os clubes se viram envolvidos passou a ser desenvolvido por partes desiguais: enquanto as empresas parceiras são representadas por profissionais altamente qualificados, a maioria dos clubes permaneceu representada por dirigentes amadores - com claro prejuízo para os clubes. Por outro lado, as cifras em tais negociações cresceram exponencialmente, sem que tenha havido um mínimo de racionalidade no uso desses recursos por parte dos clubes que não profissionalizaram sua equipe de gestores.
O resultado é um mercado atípico, em que houve uma transferência de ganhos maior à mão de obra do que aos empregadores. Isso se deve ao fato de que o valor médio pago a atletas e técnicos subiu mais do que os ganhos das instituições esportivas, movidos pela passionalidade de dirigentes e pela boa percepção de oportunidade por parte de representantes e empresários. O crescimento dos valores arrecadados, em lugar de aumentar as possibilidades de desenvolvimento destes clubes, ao contrário, provocou um mergulho na desordem financeira e uma situação geral de insolvência.
Enquanto isso, aqueles que deveriam ser os maiores ativos dos clubes - suas marcas e a relação institucional com as massas de torcedores que medem a sua grandeza - em vez de se incrementarem, deterioram. Some-se o crescimento de marcas esportivas estrangeiras e o avanço de outras facetas mais profissionalizadas da indústria do entretenimento para termos uma situação caótica aparentemente irreversível. Pelo menos, sem que haja uma nova mudança de paradigma.
Na coluna que publico na Internet (no blog
Ouro de Tolo) eu já havia comentado os achincalhes que o Flamengo anda sofrendo sob o olhar passivo de sua atual Diretoria, até com a colaboração indireta dela. Naquele texto, um caso fortuito com o Diego Maurício, de importância menor, simbolizava o desleixo pela imagem do clube. Eu ainda elencava outros exemplos.
De lá para cá – e em tão curto tempo – o Flamengo colecionou outros descasos até maiores, como a lentidão em contratar um dirigente remunerado para futebol, a interferência sistemática de Vice-Presidentes uns nas áreas de atuação de outros, a declaração do não pagamento de impostos, a revelação de um balanço para lá de confuso e polêmico, a eliminação prematura em todas as competições do futebol no semestre, um período longo sem jogos e poucos treinamentos, a inação e o improviso na contratação de reforços, o debate público acerca de salários em atraso, além de intermináveis declarações oficiais inadequadas.
O Clube de Regatas do Flamengo, glória do esporte nacional, é vítima de um processo de encolhimento institucional (se existisse, a melhor palavra seria “apequenamento”) e exemplo daquilo que não deve ser feito na gestão de instituições congêneres. Vou evitar o lugar-comum da crítica fácil às pessoas que vêm dirigindo o clube nos últimos anos.
Conheço algumas delas, e dentre elas várias pessoas de bem, alguns inclusive muitíssimo bem sucedidos em suas vidas pessoais e profissionais.
Mesmo aqueles que têm experiência, conhecimento técnico e capacidade intelectual para atuar nas muitas atividades da gestão de um clube, costumam falhar quando fazem o papel do dirigente esportivo voluntário: misturam a paixão e a razão, o imediatismo e o necessário planejamento estratégico, o compromisso para com a instituição e as obrigações pessoais privadas, o administrador e o torcedor.
O Flamengo faz péssima gestão de sua marca, é comumente associado a escândalos, brigas internas políticas inócuas, desrespeito a hierarquias, processos confusos, contratos mal alinhavados e raramente cumpridos, um ambiente e uma cultura interna que, sinceramente, dificilmente poderia vir a atrair parceiros confiáveis e interessados na obtenção conjunta de resultados positivos numa relação estável e segura.
No momento em que começa a se desenhar o quadro eleitoral cujo desfecho se dará no final do ano, quando da eleição da Diretoria para o próximo triênio, vê-se candidatos divididos entre aqueles que pretendem perpetuarem-se num grupo de poder que se metamorfoseia para manter-se igual ou aqueles que se apresentam de forma novidadeira como representantes de uma pseudo-mudança, ainda que reproduzindo discursos, perfis e hábitos antigos.
Parece bastante claro que uma mudança passa, necessariamente, pela determinação em dar ao clube um choque de gestão profissional incondicional. Há, para a Diretoria eleita, um espaço político necessário e útil, qual fosse o respaldo institucional, o estabelecimento de metas, a contratação de uma equipe de gestores profissionais, a avaliação dos resultados obtidos em médio prazo e a validação ou redefinição das soluções adotadas, em períodos e ciclos pré-configurados.
Caberia à equipe de gestores profissionais tomar as decisões administrativas, decidir sobre cada uma das questões pertinentes às mais diversas atividades do clube, traçar planos executivos, preparar e gerir contratos, explorar oportunidades, negociar com atletas e seus representantes, valorizar a marca e otimizar todas as tarefas de gestão. Tudo isso com autonomia delegada e sob regras predeterminadas de governança corporativa, palavra chave neste novo momento.
O Flamengo estaria em conformidade com seu atual Estatuto, com a Diretoria eleita cumprindo sua missão de definir ONDE o clube deve chegar (objetivos) e um grupo de gestão profissional definindo COMO chegar (gestão) a tais metas, sob regras claras, sem sobressaltos ou interferências políticas cotidianas, com transparência de ação, num ambiente negocial de alto nível.
Este não é um caminho a ser adotado pelo Departamento de Futebol, nem por este ou aquele setor, mas pela instituição por inteiro, sob a liderança politica de um Presidente que tenha a grandeza de saber delegar a gestão cotidiana a um grupo de profissionais liderado por um CEO (ou outro nome que se queira dar ao cargo) com formação sólida, compromisso com o resultado, método administrativo, experiência em gestão de instituições de grande porte e uma equipe bem articulada. Ou seja: um choque de gestão profissional.
O problema real consiste em conciliar, num grupo a ser eleito para liderar esta revolução, paixão pelo Flamengo e a clara noção de que esta mesma paixão inviabiliza uma gestão racional. Conciliar conhecimento profundo da questão e humildade para abrir mão da gestão direta sobre os dilemas cotidianos.
A minha impressão pessoal é que ao cruzar as portas do clube, o torcedor-dirigente típico não se contém e se sente obrigado a interferir, participar, aparecer, falar além da conta – mesmo aqueles que antes se diziam comprometidos com a ideia de profissionalização. No fundo, o torcedor que habita em nós faz com que todos queiram “escalar o time” quando detém poder para tal.
O Presidente hipoteticamente ideal deveria ser “impedido” de entrar no clube, sentar à mesa, resolver qualquer assunto do dia-a-dia. Que dê as diretrizes, avalie e reconduza a médio prazo, mas não interfira na ação.
Este é o modelo ideal a meu ver. Já passou da hora de fazermos uma Revolução Rubro-Negra. Vamos a ela.
por
Affonso Romero Dantas - publicitário e sócio-proprietário do Flamengo
FLAmém!
PS: Texto publicado originalmente no Blog
Ouro de Tolo