domingo, 6 de maio de 2012

O BALANÇO DO FLAMENGO PARA LEIGOS (Aula 1)

Caríssimos irmãos de fé rubro-negra,
Salve, Salve, FLAleluia!


O curso era de contabilidade para leigos. Ao final, o Prof. Pacioli* informou que na próxima aula ele falaria sobre demonstrações contábeis e perguntou à turma qual empresa gostaria de analisar. A resposta da maioria foi que gostariam que ele utilizasse como exemplo o recém divulgado Balanço do Flamengo. Após breve hesitação, o professor topou dizendo:
- Não é uma boa escolha. As demonstrações de clubes não são, digamos, as mais acadêmicas. São difíceis de serem analisadas. O ideal seria utilizarmos alguma grande empresa, uma sociedade anônima, de preferência multinacional. Mas, tudo bem! Vou mostrar as particularidades e excentricidades de um balanço como o do Flamengo. É um baita desafio, mas eu topo! Numa outra aula qualquer mostro um balanço mais convencional, digamos assim, e vocês poderão notar as diferenças. Vamos começar por onde vocês têm mais curiosidade.

Receita

Dito e feito! A aula seguinte, sobre as demonstrações contábeis teve o Flamengo como objeto do estudo de caso. O professor começou perguntando aos alunos qual seria o item mais importante no orçamento doméstico, ou seja, na contabilidade da família de cada um qual seria aquele ponto que todos se interessariam em saber primeiro:
- Salário...Quanto ele ganha...Rendimento... Remuneração... e outras variações foram as respostas e tiveram um consentimento do professor.

- Perfeito, mas antes de falarmos do Flamengo, é importante que vocês aprendam uma regrinha contábil. Na contabilidade não se adota o regime de caixa, mas o de competência. Ou seja, consideramos as receitas no momento que são geradas, independente de terem sido recebidas. Para exemplificar, vamos imaginar a contabilidade de um assalariado, cujo salário seja pago no dia 5 do mês seguinte. Assim iremos considerar como receita o seu salário de dezembro, mesmo que ele só venha a receber em janeiro. Se o patrão dele ficou devendo uma parte de um salário, a contabilização da receita será pelo valor integral, mesmo que nosso pobre empregado não tenha visto a cor dessa grana. Por outro lado, se o empregador lhe antecipou um dinheiro das férias que só teria direito no próximo ano, esse valor não será computado na receita  Isto é importante para entender que nem tudo que aparece lançado como receita efetivamente entrou no cofre de uma empresa e que as antecipações, mesmo já tendo sido até gastas, não são consideradas receitas daquele exercício. O mesmo vale para as despesas e demais lançamentos.


Professor Pacioli continua a aula demonstrando a grande variação positiva da receita no DRE (Demonstração do Resultado do Exercício):
- Como vocês mesmo disseram, tudo fica mais fácil tendo mais dinheiro. No caso específico do futebol, com um faturamento maior pode-se ter um time mais competitivo. Então, por este item analisado isoladamente, o Flamengo foi muito bem. Observem o crescimento da receita de um ano para outro. Aliás, comparar os dois últimos anos é a primeira análise que é feita nos demonstrativos. O segredo para este sucesso foi o novo contrato de Direitos de Transmissão com a Tv. No entanto, de nada adianta olharmos números isolados. Precisamos entender sobre o setor e como todos sabem, no ano passado, o clube dos 13 foi implodido e o Flamengo negociou sozinho e em bases muito melhores. Nesta negociação, podemos confirmar com os números que a diretoria do clube foi bem sucedida.


- Ao analisamos algum tópico, o ideal é sempre fazermos comparações. Números precisam ser relativizados. Já falei na tradicional comparação entre os dois anos que obrigatoriamente são apresentados em qualquer demonstrativo contábil - o ano analisado com o imediatamente anterior. Mas, várias outras podem ser feitas, algumas são padrões, outras de acordo com a conveniência e objeto de estudo. Por exemplo, podemos comparar duas gestões. Como a atual diretoria está no poder há dois anos, vamos comparar o período com os dois primeiros anos da antiga administração. No slide, temos uma noção ainda maior de como os contratos de TV ganharam importância. Agora, observem a venda de jogadores e vejam que o que era um importante fator de renda para o Flamengo tornou-se praticamente irrelevante. O clube não depende mais da venda de jogadores. O próprio marketing que 10 entre 10 torcedores criticam e, em minha opinião, com toda razão hoje gera muito mais receita. Nos dois anos da gestão atual a receita foi superior a R$ 88milhões, contra R$ 53milhões em toda gestão anterior (3 anos). Se observarmos os balanços dos demais clubes veremos que o negócio futebol cresceu muito, daí a explicação! O grande mérito da atual administração do Flamengo foi ter se livrado da negociação conjunta dos direitos de tv e negociado o contrato individualmente. Do resto, foi beneficiada pelo mercado favorável.


Após uma pausa continuou: 
- Um outro item que chama a atenção é a arrecadação nas bilheterias. 2011 o Flamengo teve a menor receita com venda de ingressos dos últimos 5 anos. O clube arrecadou R$ 3milhões a menos do que o trágico ano de 2010. Ou seja, as campanhas feitas no final do ano passado para  levar a torcida ao estádio parecem que tinham todo sentido.

Despesa
- As receitas precisam ser analisadas em conjunto com as despesas. No caso de um clube endividado, este ponto é ainda mais crítico. O clube precisa gerar bom superavit primário, ou seja, tem que obter uma receita bem superior às despesas para poder quitar os juros. No caso do Flamengo, o crescimento das despesas de 2010 para 2011 (26%) ocorreu em um ritmo menor do que as receitas (43%). No entanto...


- Enquanto a receita bruta com o futebol cresceu praticamente 50%, as despesas subiram 57%. Ou seja, mesmo com um contrato bastante vantajoso na TV, o Flamengo não aproveitou para gerar dinheiro, conseguiu aumentar ainda mais os gastos e a rubrica de despesas gerais foi a que mais cresceu. Sabe-se que  houve investimentos no centro de treinamento. Espero que o grande aumento seja originado de investimentos. ** Espero que o grande aumento tenha sido gerado pelas instalações provisórias no CT (ex: aluguel de equipamentos) e outras derivadas e de caráter temporário.

O professor deu um tempo para os alunos assimilarem o que havia dito e apontou para os gastos com o social e com os esportes amadores.
- Olhem que a parte social e os esportes amadores dão prejuízo. Portanto, o futebol continua bancando o restante do clube, porém muito menos do que em 2010. Se compararmos com o ano anterior, quando o presidente era outro, podemos imaginar o que ocorreu em 2010 foi pontual pela falta de investimento na sede e nos esportes olímpicos durante bastante tempo, uma vez que os valores de 2011 voltaram aos níveis anteriores e em um patamar mais alto, o que é um indicativo de investimento, principalmente pelo recuo das despesas gerais. Para termos uma maior certeza, só aguardando o balanço de 2012.

Patrimônio Líquido


- No Balanço patrimonial de um lado temos os direitos e os bens da empresa, que chamamos de ativos. No outro, as obrigações, que são os recursos de terceiros e que, em contabilidade, chamam-se Passivos, além do Capital Próprio ou Patrimônio Líquido. Até 2010, o Flamengo tinha o que se chama de passivo a descoberto. Ou seja, nem se desfazendo de todo patrimônio e de tudo que o clube teria a receber tornava-se possível pagar todos os compromissos assumidos. Em 2011 isto se reverteu. O Flamengo finalmente voltou a ter um patrimônio líquido positivo.



- O segredo para que isto tenha ocorrido está aqui, na reavaliação imobiliária. Não se costuma fazer uso de expedientes deste tipo, mas no caso do Flamengo os investimentos feitos no CT e na sede social podem justificá-los. No entanto, houve um benefício com uma situação de crescimento exponencial nos valores dos imóveis na cidade. Haverá problema se este fato for uma bolha e estourar. Caso contrário, não vejo maiores problemas, exceto pela dúvida se a avaliação levou em conta características legais, como o de que a sede do clube está em um terreno federal e a venda não seria tão simples assim. Vale a ressalva de que o Flamengo precisará, desde então, fazer a reavaliação de forma periódica.

Endividamento
- Em um clube como o Flamengo, que sabidamente é endividado, quando se divulga o balanço, as primeiras manchetes são sempre sobre o valor da dívida. Isto sempre causa um temor na maioria das pessoas, porque em nossa vida pessoal só costumamos recorrer a empréstimos quando estamos no sufoco e aí pegamos aqueles juros absurdos dos cheques especiais e do cartão de crédito. No entanto, o endividamento é comum no dia a dia das empresas. Quanto maior a empresa, mais acesso a condições especiais de financiamento ela terá. Assim, é possível ter juros inferiores a rentabilidade do próprio negócio. Ou seja, muitas vezes é preferível pegar um financiamento (aqueles de longo prazo, para investir em projetos e ativos permanentes) do que colocar dinheiro próprio no negócio. Assim, o valor do endividamento sozinho, como as manchetes adoram explorar, não diz muita coisa.



- Observem que embora o endividamento do Flamengo tenha crescido, ele é proporcionalmente menor em relação ao faturamento, o que é uma boa notícia. A situação já esteve bem pior do que hoje.


- Outra comparação bastante válida quando falamos em dívida é observar o crescimento relativo a algum indicador. No exemplo, uso a comparação com a taxa de juros básica da economia. Se considerarmos que o Flamengo é um clube altamente endividado, é bastante provável que os juros dos empréstimos do clube sejam obtidos a uma taxa bem superior à Selic. O quadro demonstra que embora a dívida seja crescente, ela tem tido uma aceleração menor do que a Selic, o que representa outro dado positivo.


- No entanto, nem tudo são flores. Ops! Flores? Desculpem-me, mas aí já seria sobre o balanço de outro clube (risos escutados na sala). Vamos voltar o Flamengo... A receita no ano passado cresceu muito acima da taxa Selic, algo bastante incomum para o Flamengo e que não deverá voltar a ocorrer tão cedo. Isto significa que o clube perdeu uma excelente oportunidade de reduzir o endividamento.

Próxima Aula
Ao escutar o sinal, indicando o final da aula, o professor disse:
- Bem, pessoal. Devido ao limite de tempo, continuarei o assunto na próxima aula, quando falarei especificamente sobre os pontos obscuros, as anormalidades e os problemas que aparecem nas demonstrações contábeis do Flamengo. Analisem o que conversamos até aqui e enviem seus comentários. Ficarei no aguardo!

 FLAmém!

* Pacioli - escolhido para ser o nome do professor é uma homenagem a Luca Pacioli, um frei franciscano que é considerado o pai da contabilidade moderna, que, em um livro escrito em 1494 (ou seja, quando o Brasil ainda era dos índios), descreveu pela primeira vez o "método das partidas dobradas", que é a base dos lançamentos contábeis até hoje, segundo o qual todo débito corresponde a um crédito de mesmo valor. A consequência disto é que o total de débitos será sempre igual ao total de créditos e o ativo será igual ao passivo, mas aí já é um post para um blog contábil, certo?

** Não costumo alterar um texto depois de publicá-lo. no entanto, desta vez, fui obrigado porque o trecho anterior (que mantive riscado) levava a uma confusão conceitual. Aproveito para explicá-la. Investimentos não são contabilizados como despesas (não transitam pelo resultado - DRE), mas lançados diretamente em uma conta no ativo permanente (aumenta-se o valor do bem). No entanto, o CT foi utilizado provisoriamente e alguns gastos temporários são contabilizados como despesas. É a estes que pretendia me referir. Agradeço a preciosa colaboração do leitor Diego Milward (@dmilward).

4 comentários:

  1. A pessoa que escreveu entende de contabilidade? Se sim deveria rever alguns pontos como por exemplo justificar o aumento de despesas com os investimentos no centro de treinamento. Isso é ativo imobilizado e não despesa.

    Cuidado com a desinformação.

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    1. Diego,
      Agradeço bastante pelo comentário. Muitos podem ter lido e você foi o único a se dar ao trabalho de escrever.

      Acredito que esteja se referindo a esta parte:
      "Sabe-se que houve investimentos no centro de treinamento. Espero que o grande aumento seja originado de investimentos."

      A tentativa de simplificar realmente fez com que o trecho ficasse sem sentido. Você tem toda razão. Pretendia dizer uma coisa e disse outra.

      Meu objetivo era encontrar uma justificativa para o elevado aumento de despesas e as instalações provisórias feitas no CT poderiam justificá-las (como exemplo, uma série de equipamentos alugados, obras para uso temporário, cujo prazo de vida útil poderiam não ultrapassar 1 ano, etc.).

      Em respeito ao leitor não costumo alterar artigos já publicados, mas verei o que posso fazer. A revisão é necessária, como você bem disse.

      Agradecidamente,
      @JEFFarah

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