Nos textos anteriores falei sobre projetos de sócio torcedor de um modo geral. No CRF, como se sabe, não há essa modalidade, nem se tem conhecimento de que se venha a criá-la em curto prazo. Em paralelo, há algo que guarda alguma semelhança com o sócio torcedor, que é o chamado sócio Off-Rio (ou contribuinte estadual, na definição apropriada).
Está lá na página oficial do clube para quem quiser ver. Quem mora a mais de 100 quilômetros do Rio de Janeiro (o site não deixa claro, mas presumo que seja a cidade) pode se tornar sócio pagando apenas R$ 40,00 por mês. Em troca, recebe uma carteira de sócio estadual, adquire o direito de frequentar o clube até 30 dias por ano, recebe publicações e informações sociais quando publicadas, participa de promoções e eventos quando forem promovidos. E, claro, a jóia da coroa: vota para Presidência e Conselhos, depois de cumprida a carência de 3 anos.
Há tempos eu vinha emitindo alguns alertas acerca da precariedade desses direitos de voto dos sócios Off-Rio, para os quais não há previsão estatutária, mas eu desisti de insistir no assunto. As reações dos meus interlocutores eram tão raivosas, tão fundamentalistas e tão enérgicas que eu me sentia tentando explicar a George Bush que talvez não houvesse armas químicas no Iraque. Desisti, cansei, deixa pra lá. Que fiquem todos confortáveis com suas crenças imutáveis.
Ou melhor, nem desisti tanto assim. Desisti de discutir, mas não de alimentar minhas dúvidas. Reuni o pacote de disposições do Estatuto Social do CRF que colocam em xeque a validade do sócio Off-Rio e encaminhei uma consulta oficial ao Conselho Deliberativo do clube, que a submeteu a uma comissão de juristas. Até agora desconheço o que dirá tal comissão, só torço para que digam que sim, que os Off-Rio possuem direito de voto. Isso trará paz para muitos.
O que me incomoda mais nessa temática do Off-Rio é que os defensores mais ardorosos de uma campanha associativa não são sócios dessa modalidade. São, quase sempre, sócios e torcedores cariocas, que olham para o Off-Rio como uma alternativa adaptada de um projeto de sócio torcedor.
O raciocínio é simples: ser sócio do Flamengo não é muito barato e para quem não mora nas imediações da Gávea frequentar o clube é algo fora de cogitação. Isso torna difícil convencer torcedores a pagar R$ 105,00 por mês para usufruir bem pouco da instalações. Entretanto, R$ 40,00 soa mais palatável, se encaixa melhor no orçamento dos torcedores, pois, afinal, esse é um valor aproximado do que cobram os programas de sócio torcedor comercializados por clubes rivais, como vimos no artigo anterior.
É daí que surge essa fixação - de gente bem intencionada, em sua maioria, faço essa ressalva – de concentrar os esforços de campanhas de associação em sócios de outros estados. É um modo bem brasileiro de lidar com as dificuldades: já que não há sócio torcedor à disposição, vamos aproveitar essa brecha do Off-Rio e aumentar o colégio eleitoral por essa via.
Não condeno quem o faça. Se a possibilidade existe, se as pessoas realmente acreditam que é aumentando o colégio eleitoral que se mudará o clube, que sigam em frente.
O que parece fora de questão é perguntar aos sócios de fora do Rio de Janeiro quais são, antes de mais nada, as suas reais necessidades. Eu mesmo, que morei a minha vida inteira no Rio antes de me mudar para Porto Alegre em 2007, não imaginava que a vida rubro-negra fosse tão difícil fora da Cidade Maravilhosa.
O torcedor Off-Rio, para começo de conversa, tem dificuldade de torcer. Sabe aquele domingão que tem um clássico Flamengo x Vasco pelo Carioca? Em Porto Alegre a TV mostra Grêmio x Ypiranga. Sabe o jogo de meio de semana pela Copa do Brasil contra o Horizonte? Em Curitiba o Sportv passa Atlético PR x Ipatinga. Sabe o jogo de estreia na fase de grupos da Libertadores que vai passar na Globo? Na Globo de Salvador vai passar Vitória x Itabuna.
Pensa que a vida melhora quando chega o Brasileirão? Engano seu. Quem mandou Flamengo x Palmeiras ser às 16h, mesmo horário de Portuguesa x Atlético MG? O flamenguista de Belo Horizonte vai ter que se contentar com o jogo do Galo.
Então, para quem mora fora do Rio, ou bem assina o PFC, ou ver o Flamengo passa a ser algo bissexto. Ou seja, lá se vão mais de R$ 60,00 por mês. E isso nem sempre resolve o problema....porque sabe aquele dia que a partida coincide com um compromisso qualquer e o torcedor carioca vai ouvindo o jogo no rádio do carro ou do celular? Pois é, quando isso acontece comigo, eu preciso me contentar com o jogo do Inter.
E até agora só falei de jogos pela TV. Porque quando se trata de jogos no estádio, aí mesmo é que o torcedor Off-Rio come o pão que o diabo amassou. Vou contar um caso real, relativamente recente.
Em 2010 o Flamengo jogou as Oitavas de Final da Libertadores no Pacaembu, contra o Corinthians. Sabem onde os sócios Off-Rio de São Paulo assistiram a partida? Em casa. Sim, os sócios Off-Rio foram obrigados a ficar em casa. Para facilitar o deslocamento dos torcedores cariocas, o Flamengo fez o favor de comprar antecipadamente toda a carga de ingressos visitantes e vendê-la na Gávea.
Esse episódio do jogo do Corinthians ilustra uma diferença marcante entre os sócios regulares e os sócios Off-Rio: o acesso privilegiado e antecipado à compra de ingressos. Sócio do Flamengo nunca fica de fora de jogo importante, nem passa aperto para comprar ingresso: basta ir na sede da Gávea e acessar a bilheteria exclusiva, que fica lá dentro do clube, ao lado da secretaria.
Além disso, lá na Gávea também vende toda a linha oficial de produtos do clube com descontos para os sócios. E quando há eventos, o sócio sempre é convidado a participar.
Digo essas coisas para evidenciar um aspecto que geralmente passa despercebido: mesmo para quem não frequenta a sede, o Flamengo oferece aos seus sócios cariocas alguns benefícios palpáveis e reais, em especial o mais relevante deles, que é a exclusividade na compra de ingressos.
Já para os Off-Rio, sejamos francos, a única coisa que o clube oferece em troca é um boleto de cobrança mensal. Nem a revistinha bimensal costuma chegar – desde 2009, só recebi 3.
E, sim, a chance de votar 3 anos depois de se associar. Desde que, claro, o sócio esteja disposto a faltar o trabalho e investir algumas centenas de reais no seu deslocamento até ao clube, pois não há votos on line ou por correspondência (e nem haverá enquanto não se mudar o estatuto, que expressamente prevê votação por envelopes nas urnas).
Portanto, a todos os que se enchem de esperanças de encontrarem hordas de sócios ávidos por doar R$ 480,00 por ano ao CRF apenas para figurarem na lista de eleitores em 2015, fica aqui meu conselho: não confundam o atual sócio Off-Rio com um projeto de sócio torcedor meio capenga. Ele é muito pior do que isso, é uma extorsão apelativa à paixão genuína da Nação.
Se realmente vocês estão empenhados em encontrar mais sócios a curto prazo, fixem-se na turma do Rio de Janeiro mesmo. Pelo menos para esses ainda se pode acenar com contrapartidas tangíveis. Nem que seja trocar a mensalidade do PFC pela do clube e assistir as partidas em um dos muitos bares que as transmitem. Porque, acreditem, até isso não é simples fora do Rio de Janeiro.
Walter Monteiro - Embaixador Oficial do Flamengo no Rio Grande do Sul, sócio-proprietário do clube (mesmo morando em Porto Alegre) e escreve a coluna Bissexta no Blog Ouro de Tolo.
PS: Para reler:
- O primeiro artigo da série: Sócio Torcedor, Mitos e Crenças
- O segundo artigo da série: Ainda o sócio Torcedor, Seus Mitos e Suas Crenças
Walter,
ResponderExcluirRatifico, mais uma vez, meus comentários feitos no primeiro texto.
Saudações,
@Papo_de_Cozinha
Olá Papo de Cozinha. Desculpe pela demora em responder. Embora eu pense como você - a contrapartida esperada é um clube melhor - a experiência mostra que a maioria da torcida age diferente.
ResponderExcluirEu ainda não perdi a esperança de mudar o Flamengo, embora a política interna seja mesmo decepcionante. Mas iniciativas como essa de escrever essa série de artigos, plantam a semente para dias melhores.
SRN
@FLA_RS
Walter,
ResponderExcluirSem problemas quanto a demora.
Concordo que a iniciativa é ótima, mas sou pessimista quanto a mudanças. Veja o São Paulo, tido como exemplo em administração. Teve anos de glórias e agora nada em um mar de lama onde o presidente se acha Deus.
É o que acontece com todos, ou a enorme maioria. Em algum momento vão se embriagar com o sucesso e acabam colocando tudo a perder. Está em nosso DNA.
Quer outro exemplo? Márcio Braga, excelente primeira administração, voltou e deixou o Flamengo na MERDA.
Quer um exemplo positivo,Zico,Você sabe o que aconteceu. Também tem outros, mas são pouquíssimos que não conseguem vencer essas máfias.
Não vou ficar fazendo o que a Hisória faz muito bem; citar exemplos de pessoas deste nível.
Saudações
@Papo_de_Cozinha
(Geraldo)