quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O DIA D E A SABEDORIA INDÍGENA

Caríssimos irmãos de fé rubro-negra,
Salve, Salve, FLAleluia!


Cheguei em Potosi, depois de uma longa viagem com muitas escalas. Cansado, desci do ônibus que nos levou de Sucre até o topo do morro. Respirei fundo. Nada senti.
- Pode vir, galera! Bem que eu avise que macho que é macho não sente a alti....

Foi o suficiente. Nem consegui completar a frase. Cadê o ar? Sumiu! Pulmões secos e cabeça estourando, tudo girou e eu cai. Escureceu! O dia tinha ficado noite. Ao menos, para mim!

Soube mais tarde que fui socorrido por uns bolivianos. Realmente são bastante atenciosos. Povo hospitaleiro! Deram-me um chá e me fizeram mascar umas folhas. Tudo de coca! Maradona in natura! Para minha surpresa, a planta realmente funcionava. Deu certo!

Restabelecido, tratei de fazer tudo em câmara lenta e não parava de pensar como é que alguém poderia praticar esportes naquelas condições. Era desumano! Fui até um restaurante e senti no bolso a força da economia brasileira perto da boliviana.

Comprei folhas de coca e bebi bastante chá até à noite. Quando chegou a hora do jogo, eu já estava para lá de Evo Morales. Mesmo sem me lembrar bem dos lances do jogo, eu tinha uma única certeza: Luxa só podia ter tomado o mesmo bagulho que eu. Não era possível fazer as substituições que ele fez estando careta das ideias.

Como ainda teríamos a manhã toda livre, resolvi, ainda de ressaca pelos efeitos da altitude, da coca e da derrota, seguir os conselhos que os locais me deram de ir conversar com um velho sábio indígena. Ora, estava à toa e já tinha passado o maior perrengue para chegar até lá. Dali até a lua seria mole, mole. Por que não iria andar um pouco para conhecer o tal índio?

Acompanhado de um guia improvisado, consegui, após uma trilha feita muito lentamente, chegar até o local, que seria sagrado. Estava rolando uma espécie de ritual. Observei curioso. Todos tomavam o chá e dançavam alegremente. Pelo que entendi, tinha chegado minha vez de ser consultado. Levaram-me até o ancião da tribo.

Meu guia se aproxima dele e inicia uma conversa em um dialeto local. Não era possível entender uma única palavra. Não sabia o que eu tinha que fazer até que Gutiérrez, o guia, me disse em castelhano que os espíritos dos ancestrais poderiam fazer o pajé se comunicar comigo em português. Depois gritos e danças, o velho índio se virou para mim e, apontando para a camisa do Flamengo que eu vestia, disse:
- Belo Manto! Eu saber que é sagrado!

Sorri e, sem que eu perguntasse qualquer coisa, ele começou a contar uma historinha bem devagar, como se alguém balbuciasse cada palavra em seu ouvido:

- Há muitos anos um menino nesta aldeia se transformava à noite em um lobo. Na verdade, em dois lobos distintos. O primeiro era dócil e divertia as demais crianças do local, sem oferecer qualquer perigo. Porém, o outro era mau e traiçoeiro. Atacava as lhamas e assustava as crianças e a aldeia. Constrangido, o menino-lobo veio até mim para perguntar em qual das duas criaturas ele se transformaria em definitivo.

- Em qual? - perguntei, curioso.

- Simples. No que ele alimentar mais frequentemente. O outro morrerá! Assim, funcionam todas as coisas. Na maioria das vezes, as circunstâncias não são boas nem más. É o pensamento de cada um que transforma um fato em um lobo mau ou bom.

Enquanto ele falava, eu pensava na crise que assolava o Flamengo e no comportamento da torcida propagando intrigas e calúnias por meio das redes sociais. É incrível como nós mesmos estamos alimentando o lobo errado e, assim, pondo mais lenha na fogueira. O velho índio parecia ler meus pensamentos e, como se estivesse me respondendo, sem que eu houvesse sequer verbalizado qualquer pergunta, ele começou a gritar. A montanha ecoou os gritos:

- Observe o poder do som. Ao bater na montanha, mais pessoas podem escutá-lo. Mais do que isto, uma vez que a palavra saiu de minha boca, jamais a recuperarei. Uma vez proferida, ela ganha vida própria. Não se pode se prender às opiniões de uma multidão, que julga rápido e sem critérios. Portanto, não se deve repetir tudo o que se ouve, mesmo que todos estejam falando a mesma coisa.

Ou retuitar tudo que qualquer um tuita, pensei! Acho que o índio não entendeu bem esta história de twitter, porque ficou um tempo em silêncio. Comecei, então, a pensar porque o Flamengo atrai tantos problemas assim. Foi o bastante para o velho sábio começar outra parábola:
- Observe aquela árvore ali. Está intacta. Ninguém dá importância a uma árvore estéril. No entanto, aquela que produz frutos é que é apedrejada para deixá-los cair.
Estava certo! Nenhum clube é mais frutífero do que o Flamengo. Passei a pensar como poderíamos lidar com tanta inveja assim. No mesmo instante, o pajé reiniciou seus ensinamentos:
- Não se deve dar ouvidos a calúnias e intrigas. Se alguém parar o que estiver fazendo para responder uma calúnia, dará razão ao caluniador. Será o eco de sua voz. Se estiver convicção de que o que está fazendo é o correto, siga em frente. Ignore as pedras colocadas no caminho pela inveja e pelo ciúme. Continue marchando. No final, quando tudo der certo, ainda baterão palmas para o trabalho realizado.
Eu continuava admirado com a coincidência dos conselhos e com meu sentimento em relação ao Flamengo. Seria um delírio? Bastou pensar no mundo podre que é o futebol (e em como alguém poderia seguir sem cair na lama) que escutei:
- A luz não se suja ao ser refletida pelo pântano.
Estava chegando o horário de partida de meu ônibus partir. Precisava ir. Pensei que, finalmente, tudo se resolveria após o segundo jogo, o dia "D".
- A vitória chega por meio de lutas que travamos dentro de nós mesmos. Ninguém vive no passado nem no futuro. O momento é agora! Planos sem ações concretas para realizá-los são como castelos no ar. Desmoronam! No entanto, não se planta abacaxi querendo colher coca. Antes de se pensar em decisões após uma batalha, deve se entregar de corpo e alma na busca da vitória.
Imediatamente, lembrei-me dos grandes micos que já pagamos e que não vale a pena relembrar. Espero que neguinho se concentre na vitória. Depois, resolvam suas diferenças, se, por ventura, estas existirem.
De tão eufórico, antes de sair, abri minha mochila, peguei um manto de minha coleção e entreguei ao velho índio. Radiante, ele gritou:
- Mengooooo!
Peguei o ônibus que me traria de volta para o Rio, já pensando no dia "D"!
Pois, hoje, tal dia chegou! Só dependemos de nós mesmos. Será importante a casa estar cheia, mas, principalmente, que o time mantenha o foco no resultado, na busca da vitória. Que o amanhã fique para amanhã. Hoje é dia de pensar só na classificação.

#PraCimaDelesMengo

FLAmém!

PS: Esta historinha é de ficção. Mas, quer saber o relato de um rubro-negro que realmente esteve em Potosi. Clique aqui e acompanhe a aventura de Bruno Nin na última quarta-feira.

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